sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Primeira aula de vôo

     Nós dois estávamos sentados na calçada da minha casa, de vez em vez passava alguns garotinhos correndo atrás de pipas e algumas senhoras com sacolas cheias de produtos que o locutor do super mercado anunciava em promoção, permanecemos ali sem que nenhuma dessas pessoas notassem a nossa presença naquele fim de tarde. Ele continuava a escutar em silencio o que eu dizia, como se ele estivesse absorvendo cada palavra minha, processando sílaba por sílaba. Eu não tinha um ponto de fuga para olhar, tentava olhar nos olhos dele, mas estes estavam focados na formiga que subia pelo cadarço desamarrado do All Star. Foi assim durante uns quinze minutos até que o nó da garganta impediu a saída da minha voz. Ficamos alguns minutos sem que nenhum dos dois dissesse uma única palavra, até que ele se levantou, posou a mão no meu cabelo, como se quisesse mostrar que entendia perfeitamente o que eu sentia. Olhou dentro dos meus olhos úmidos e sorriu, como se tivesse a mais absoluta certeza que eu iria ficar bem e que logo logo eu estaria sorrindo novamente. E então com toda a doçura deste mundo, ou talvez, com uma doçura que não pertence a esse mundo, ele disse “ Não se esqueça que é na queda que se aprende a voar ”, e dos meus cabelos deslisou a palma da mão suavemente pelo contorno do meu rosto encharcado pelas lagrimas e foi embora, sem me abraçar ou me oferecer qualquer tipo de consolo, como se ele soubesse que um simples aconchego soltaria todas as lagrimas que até então estavam empoçadas nos meus olhos e libertaria os soluços que estavam amarrados, enlaçados ao nó da minha garganta. Foi então que eu percebi que ele já havia estado ali, no mesmo buraco negro que eu me encontrava.
     Passei o resto da noite pensando naquelas poucas palavras que ele me disse e depois de muito tempo, compreendi o que de fato elas significavam e que elas eram a chave pra me libertar das correntes pesadas prendidas aos meus calcanhares. Percebi então, que me apoiar ou me segurar no que me parecia firme, não me daria sustento para a vida toda, logo eu perderia as forças e seria arrastada por aquele furacão e cairia de cabeça naquele abismo. O que eu deveria fazer era me desprender de tudo, me jogar e bater as asas até levantar vôo. Aprendida a primeira lição eu teria que estar consciente que a cada próxima queda, o penhasco seria ainda maior e exigiria de mim mais coragem, mais bater de asas e seria assim até o dia que em meu mundo não exista mais abismos e assim finalmente eu poderei planar pelo céu sem medo de cair, assistindo o mundo lá de cima, junto com os pássaros.

- Caliane Melo.

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