segunda-feira, 26 de março de 2012

"Vende-se, troca-se, doa-se um coração! Tratar aqui."

    
     E esse meu coração hein? Não tem como trocar? Tem certeza que não veio com nota fiscal? Eu posso dizer que veio com defeito de fábrica e exigir um novinho em folha pra colocar no lugar desse aqui que já está bem surrado, não posso? Ó, escuta só o barulho de oco! Consegue ouvir?
    Me desculpe pelo remendo mal feito, não sou muito boa nessa coisa de costurar. Tive que remendá-lo, pois  juntar e colocar os pedaços não adiantou muito, o vento gelado continuava a passar pelas brechas que nele havia. Vieram-me com uma história boba que o tempo iria colocar todos os pedaços no lugar. Rum! Eu esperei e esperei e nada disso aconteceu.
    Mas me diga, será que devo esperar um pouco mais ou devo colocar uma plaquinha de “vendo ou troco esse coração” antes que ele perca ainda mais o valor no mercado? Sei não hein! Continuar com ele nessa situação é bem perigoso, mais uma pancada e pronto, tudo vai pro beleléu! Melhor parar e ficar bem longe dessas coisas que envolvam sentimentos e aproveitar que o meu coração ainda consegue fazer o que de melhor ele sabe: bombear sangue para o resto do meu corpo.

- Caliane Melo.

sexta-feira, 16 de março de 2012


Outrora, uma mariposa apareceu. “Eu a engoli que nem vi”, assim a rima floresceu. Flor sorridente. As mariposas são um mistério. Elas têm medo do escuro, como sempre tive. Uma volta, volta e meia, vejo uma triste buscando a luz. A gente teme, mesmo sabendo que o escuro é mais bonito. As alegres são as coloridas, eu provei de uma bem triste e tão amarga, que me doeu o corpo todo. Sabendo, sem querer saber, provei do genérico das borboletas. E muitos engolem mariposa, pensando que têm borboleta no estômago.

                                                                ( Adriano C. em "O mar e o menino" )

terça-feira, 13 de março de 2012

quarta-feira, 7 de março de 2012

Almas perfumadas

    
     Tem gente que tem cheiro de passarinho quando canta. De sol quando acorda. De flor quando ri. Ao lado delas, a gente se sente no balanço de uma rede que dança gostoso numa tarde grande, sem relógio e sem agenda. Ao lado delas, a gente se sente comendo pipoca na praça. Lambuzando o queixo de sorvete. Melando os dedos com algodão doce da cor mais doce que tem pra escolher. O tempo é outro. E a vida fica com a cara que ela tem de verdade, mas que a gente desaprende de ver.

     Tem gente que tem cheiro de colo de Deus. De banho de mar quando a água é quente e o céu é azul. Ao lado delas, a gente sabe que os anjos existem e que alguns são invisíveis. Ao lado delas, a gente se sente chegando em casa e trocando o salto pelo chinelo. Sonhando a maior tolice do mundo com o gozo de quem não liga pra isso. Ao lado delas, pode ser abril, mas parece manhã de Natal do tempo em que a gente acordava e encontrava o presente do Papai Noel.

     Tem gente que tem cheiro das estrelas que Deus acendeu no céu e daquelas que conseguimos acender na Terra. Ao lado delas, a gente não acha que o amor é possível, a gente tem certeza. Ao lado delas, a gente se sente visitando um lugar feito de alegria. Recebendo um buquê de carinhos. Abraçando um filhote de urso panda. Tocando com os olhos os olhos da paz. Ao lado delas, saboreamos a delícia do toque suave que sua presença sopra no nosso coração.

     Tem gente que tem cheiro de cafuné sem pressa. Do brinquedo que a gente não largava. Do acalanto que o silêncio canta. De passeio no jardim. Ao lado delas, a gente percebe que a sensualidade é um perfume que vem de dentro e que a atração que realmente nos move não passa só pelo corpo. Corre em outras veias. Pulsa em outro lugar. Ao lado delas, a gente lembra que no instante em que rimos Deus está dançando conosco de rostinho colado. E a gente ri grande que nem menino arteiro.
                                                                          
                                                                                                                                   ( Ana Jácomo )



segunda-feira, 5 de março de 2012

Eram dois estranhos que se conheciam muito bem


Ele não sabia qual era a banda favorita dela, mas sabia que a musica a trasportava para outro mundo. Ela não sabia que ele era fascinado por filmes de guerras, mas sabia que ele sempre quis ser um soladinho de chumbo. Ele não sabia que ela amava lírios, mas sabia que ela ainda tinha medo do escuro. Ela não sabia que ele tinha uma pintinha no dedinho do pé, mas sabia que aqueles olhos cor canela brilhavam mais que as estrelas refletidas no mar. Ele não sabia que ela calçava 37, mas sabia que ela conversava com a chuva. Ela não sabia que ele havia operado das amídalas a 4 anos atrás, mas sabia quando ele não estava bem só pelo tom abafado por suspiros da voz dele. Ele não sabia que ela sonhava em viajar para a Holanda, mas sabia que ela mordia o lado esquerdo inferior dos lábios quando estava nervosa. Ela não sabia que ele colecionava moedas, mas sabia que ele adorava andar descalço na grama molhada. Mas o que todos - os vizinhos, o senhor que vendinha churros, os passarinhos no telhado das casas mais altas, as estrelas do céu, todo o universo sabia e até os seres que viviam no subterrâneo do planeta- menos os dois sabiam, era que eles foram feitos um para o outro. E continuam, até hoje, sem saber.

- Caliane Melo.

sexta-feira, 2 de março de 2012

A garota que colhia abraços

     

     Em algum lugar de latitude e longitude desconhecidas e a incontáveis séculos, décadas, anos ou, quem sabe dias, havia uma garota –  não se sabe o nome de nenhum dos personagens dessa história  – que tinha uma mania um tanto estranha de abraçar e escutar os batimentos cardíacos das pessoas que lhe aparecia pela frente. Era assim desde pequenininha. Abraçava  e encostava o ouvido no peito de quem ela encontrava no caminho. A cada abraço, um suspiro.
      Todos daquela cidadezinha indigente eram acostumados com esse ritual. Uns abraçavam com má vontade e outros, a maioria, esperavam ansiosamente pela visita. Mas a garota guardava o seu melhor abraço especialmente ao garoto que morava na casa amarela que ficava em frente da sua. Ela nunca tivera a sorte de encontrá-lo durante as suas costumeiras visitas aos moradores da cidade. Eles sempre se viam de longe. Ela montada na sua bicicletinha roxa e ele jogando mini game na varanda. Na verdade, esse desencontro não era obra do destino, era ele quem se escondia e se recusava a abraçar aquela garota estranha. O que ninguém sabia, era que a tal garota tinha um coração mecânico, movido a batimentos cardíacos de todas aquelas pessoas e a repulsa do garoto era nada mais do que o velho amor recolhido.
    Os anos se passaram e tudo continuava como sempre. A garota, agora com 17 anos, não recolhia os seus abraços diários montada na sua bicicletinha roxa e o garoto da casa amarela não mais passava o dia inteiro jogando mini game na varanda. Agora os dois só se viam através das janelas de suas casas. Olhares curtos, sem sorrisos, sem acenos e é claro, sem abraços.
     Numa manhã de domingo a pequena cidadezinha sem nome é acordada da sua calmaria com o barulho da cirene de uma ambulância. A garota do coração de lata estava a caminho do hospital. Os batimentos que ela havia colhido durante toda a sua vida não eram mais suficientes. Ela precisava de algo mais forte. O garoto da casa amarela também não se sentia nada bem. Sua frequência cardíaca estavam diminuindo a todo tempo, quase parando. Até que alguém - não se sabe quem - , ligou as coisas e promoveu o encontro dos dois. Colocaram-os no mesmo quarto do hospital, aproximaram as macas e entrelaçaram as mãos dos dois jovens. O esperado aconteceu. O quadro clínico de ambos estava melhorando, mas ainda era critico, então, mais uma vez alguém – deveriam saber quem era o dono ou dona das ideias geniais - teve a ideia de suscitar o abraço dos dois. Juntaram-se as macas, puseram os braços em volta um do outro, ajeitando cuidadosamente a cabeça da garota no lado esquerdo do peito do rapaz. Foi como magica! Os dois foram se recuperando  numa rapidez assustadora. Daí por diante, os dois perceberam que eles se precisavam, se completavam. Ela precisava dele para manter seu coração mecânico a pleno vapor e ele precisava dela para que seu coração humano se mantesse em atividade.
         Nem precisa dizer como termina essa historia, não é? Eu não faço a mínima ideia se eles viveram felizes para sempre, nunca ouve registro disso em nenhum livro de historia. Mas eu posso dizer que eles viveram bem para repassar esse conto, até chegar aqui nesse lugar a 5°16’19” de latitude norte a 33°45’09” latitude sul e 34°45’54” de longitude leste a 73°59’32” de longitude oeste, no seculo XXI, no ano de 2012, embalados pelo “ Tum Tum” do coração do garoto da casa amarela e pelo “ Crec Crec “ do coração mecânico da garota que colhia abraços.


- Caliane Melo.