segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

O tempo está no pensamento


     O ônibus estava lotado como sempre, por sorte eu havia conseguido um lugar para sentar. Do meu lado um senhor de cabelos rasos e que respirava demasiadamente acelerado, talvez por conta do excesso de peso ou pelo habito de fumar- como logo notei pelos lábios arroxeados – ou quem dirá, pelas duas coisas. A respiração ofegante dele me agoniava, me desconcentrava. Parecia que o ar que eu respirava estava sendo roubado dele. Fechei o livro que lia e decidir focar a atenção em outra coisa e foi aí que eu comecei a observar as pessoas que lotavam aquela embarcação do asfalto.
     Mulheres traídas, homens humilhados, idosos abandonados pela família e pelo tempo. Todos estavam no mesmo barco, ou melhor, no mesmo ônibus e nenhum deles se preocupava com quem eram os seus companheiros de viagem, cada uma com os seus problemas, cada um com os seus fantasmas. As pessoas parecem tão infelizes, como se levantar cedo fosse o pior castigo que pudesse receber por todos os pecados cometidos. Mas não é. O verdadeiro castigo era pensar dessa forma. Viver ainda é um privilégio.
     Vai ver que é por isso que quando entra alguém sorrindo e conversando, todos o olham com desdém. É, talvez ser feliz hoje em dia deva ser alguma anomalia genética- pensei eu com os meus botões. Pessoas fingem não conhecer as outras só para não ter que sorrir e mentir como sua vida é interessante, seus filhos são promissores e seu casamento é um conto de fadas.
      Eu não sei por que continuei tentando desvendar a vida de criaturas tão secas quanto as folhas no outono, se no meu colo repousava historias muito mais encantadoras e entusiasmantes. Talvez no fundo eu precisasse de uma dose generosa de realidade pra não cair na armadilha de pregos de vidro da ilusão. Mantive então o livro fechado, encostei a cabeça na janela e fechei os olhos, passei a prestar atenção nos ruídos. Além do barulho engasgado do motor havia pessoas que conversavam sobre o reality show, faziam planos com o dinheiro que ganhariam na Mega sena, sem nem ao menos ter coragem de jogar. Duas moças falavam sobre seus respectivos namorados virtuais e outras lá atrás pareciam disputar quem ouvia a musica mais irritante. Quando abri os olhos já estava chegando ao meu destino e foi aí que eu vi a única coisa que me fez reacender a faísca de esperança na humanidade: uma criança brincava com os cabelos da mãe enquanto ela lhe ensinava a ver as horas no relógio de pulso. Tinha mais amor entre eles do que quilômetros rodados naquele ônibus.
      E foi assim que eu desci, com um pouco de fé na vida e deixando ar suficiente para o senhorzinho dos lábios mortos respirar.
      Moral da historia: Não tem moral. Só dá pra perceber que todos nós precisamos de algo nessa vida. Algumas pessoas precisam de mais ar pra respirar, outras de mais mentiras pra contar e outras precisam apenas de fones de ouvido. A criança precisava aprender o que os ponteiros queriam dizer e eu só preciso que alguém me ensine a esquecer isso.
- Caliane Melo.