O ônibus estava
lotado como sempre, por sorte eu havia conseguido um lugar para sentar. Do meu
lado um senhor de cabelos rasos e que respirava demasiadamente acelerado,
talvez por conta do excesso de peso ou pelo habito de fumar- como logo notei
pelos lábios arroxeados – ou quem dirá, pelas duas coisas. A respiração
ofegante dele me agoniava, me desconcentrava. Parecia que o ar que eu respirava
estava sendo roubado dele. Fechei o livro que lia e decidir focar a atenção em
outra coisa e foi aí que eu comecei a observar as pessoas que lotavam aquela embarcação
do asfalto.
Mulheres traídas,
homens humilhados, idosos abandonados pela família e pelo tempo. Todos estavam
no mesmo barco, ou melhor, no mesmo ônibus e nenhum deles se preocupava com
quem eram os seus companheiros de viagem, cada uma com os seus problemas, cada
um com os seus fantasmas. As pessoas parecem tão infelizes, como se levantar
cedo fosse o pior castigo que pudesse receber por todos os pecados cometidos.
Mas não é. O verdadeiro castigo era pensar dessa forma. Viver ainda é um privilégio.
Vai ver que é por
isso que quando entra alguém sorrindo e conversando, todos o olham com desdém.
É, talvez ser feliz hoje em dia deva ser alguma anomalia genética- pensei eu
com os meus botões. Pessoas fingem não conhecer as outras só para não ter
que sorrir e mentir como sua vida é interessante, seus filhos são promissores e
seu casamento é um conto de fadas.
Eu não sei por
que continuei tentando desvendar a vida de criaturas tão secas quanto as folhas
no outono, se no meu colo repousava historias muito mais encantadoras e entusiasmantes.
Talvez no fundo eu precisasse de uma dose generosa de realidade pra não cair na
armadilha de pregos de vidro da ilusão. Mantive então o livro fechado, encostei
a cabeça na janela e fechei os olhos, passei a prestar atenção nos ruídos. Além
do barulho engasgado do motor havia pessoas que conversavam sobre o reality
show, faziam planos com o dinheiro que ganhariam na Mega sena, sem nem ao menos
ter coragem de jogar. Duas moças falavam sobre seus respectivos namorados
virtuais e outras lá atrás pareciam disputar quem ouvia a musica mais irritante.
Quando abri os olhos já estava chegando ao meu destino e foi aí que eu vi a
única coisa que me fez reacender a faísca de esperança na humanidade: uma
criança brincava com os cabelos da mãe enquanto ela lhe ensinava a ver as
horas no relógio de pulso. Tinha mais amor entre eles do que quilômetros
rodados naquele ônibus.
E foi assim que eu desci, com um pouco de fé
na vida e deixando ar suficiente para o senhorzinho dos lábios mortos respirar.
Moral da historia: Não tem moral. Só dá pra perceber que todos nós precisamos de algo nessa vida. Algumas pessoas precisam de mais ar pra
respirar, outras de mais mentiras pra contar e outras precisam apenas de fones
de ouvido. A criança precisava aprender o que os ponteiros queriam dizer e eu só
preciso que alguém me ensine a esquecer isso.
- Caliane Melo.
- Caliane Melo.