sexta-feira, 27 de abril de 2012

Sobre o tempo e seus contratempos


     Não costumo desacreditar quando alguém diz não “ter tempo” para certa coisa, porque na verdade é isso mesmo. Nós não temos tempo, ele é quem nos tem. Mas isso não quer dizer que essa seja uma relação egoísta, absolutista. Ele nos tem, mas não nos possui, é só que nós, meros mortais, não exercemos poder algum sobre ele.
     Desde que me entendo por gente, ouço falar que o tempo tem o poder de transformar tudo que toca, que ele é o melhor remédio para aquilo que parece ser incurável. Mas não, o tempo não apaga lembranças, não cura a dor de amores mal resolvidos, não fecha as cicatrizes do coração e nem cura as dores da alma. Ele não tem permissão de adentrar o interior de cada um e mover as coisas do lugar. Esse, definitivamente, não é o trabalho dele. O dever dele é transformar o que está do lado de fora. Assim como a ventania leva as folhas secas do chão para outra direção ou como as ondas do mar apagam qualquer vestígio na areia,o  tempo varre o que está solto por aí e leva junto dele aquilo que não nos pertence. Ele não faz nada além de passar. E como já dizia Mario Quintana, “O tempo é um ponto de vista dos relógios”.
     Ás vezes ele vem como brisa leve que mal conseguimos sentir e outras de vento forte, que sentimos a quilômetros de distancia e que por muitas vezes tememos, achando que depois dessa passagem não restará nada. Mas e se quebrássemos todos os relógios? E se sumíssemos com todos os calendários? E se colocássemos mais um punhado de areia na Ampulheta? E se... Não meu caro, nada disso adiantaria, ele continuaria a passar. Sem demora, sem atrasos. Pois então, aproveite os momentos, porque o tempo não para e a vida não espera por ninguém.
     Imagino o tempo como um senhorzinho calvo, óculos apoiados no nariz, calça com suspensório e chinelos de dedo, sentando no banco de uma praça deserta, como se estivesse esperando alguém, esperando alguém que parece não querer chegar.E lhes digo mais, tenho uma leve suspeita de que o Tempo e a Vida são melhores amigos e que como tal, tem lá os seus acordos e promessas. Acho até que os dois fizeram um pacto de nunca partirem um sem o outro, que esperassem a hora de cada um para que possam seguir a próxima etapa juntos. Como dois irmãos.
     Cada pessoa recebe uma determinada quantidade de areia, determinadas voltas de ponteiro, nem menos nem mais do que seja necessário para se cumprir o que há de ser cumprido. Por isso, não importa se o seu tempo passou voando ou se passou em gotas, o que realmente importa é o que foi feito dele. E quando é chegada a hora da ultima badalada do relógio, lá está o tempo se levantando bem devagar colocando o pequeno relógio de ouro dentro do bolso, pondo o chapéu na cabeça, olhando ansiosamente em direção daquela que vem em passos mansos, de vestido solto, descalça e com lenço amarrado no pescoço, pronta para partir de mãos dadas com o seu fiel companheiro e a gente nem percebe que agora a Dona Vida e o Senhor Tempo caminham juntos para um lugar desconhecido, onde os relógios são apenas quadros decorando as paredes e o “tic tac” é musica para os ouvidos dos cansados.

-Caliane Melo.

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