sexta-feira, 2 de março de 2012

A garota que colhia abraços

     

     Em algum lugar de latitude e longitude desconhecidas e a incontáveis séculos, décadas, anos ou, quem sabe dias, havia uma garota –  não se sabe o nome de nenhum dos personagens dessa história  – que tinha uma mania um tanto estranha de abraçar e escutar os batimentos cardíacos das pessoas que lhe aparecia pela frente. Era assim desde pequenininha. Abraçava  e encostava o ouvido no peito de quem ela encontrava no caminho. A cada abraço, um suspiro.
      Todos daquela cidadezinha indigente eram acostumados com esse ritual. Uns abraçavam com má vontade e outros, a maioria, esperavam ansiosamente pela visita. Mas a garota guardava o seu melhor abraço especialmente ao garoto que morava na casa amarela que ficava em frente da sua. Ela nunca tivera a sorte de encontrá-lo durante as suas costumeiras visitas aos moradores da cidade. Eles sempre se viam de longe. Ela montada na sua bicicletinha roxa e ele jogando mini game na varanda. Na verdade, esse desencontro não era obra do destino, era ele quem se escondia e se recusava a abraçar aquela garota estranha. O que ninguém sabia, era que a tal garota tinha um coração mecânico, movido a batimentos cardíacos de todas aquelas pessoas e a repulsa do garoto era nada mais do que o velho amor recolhido.
    Os anos se passaram e tudo continuava como sempre. A garota, agora com 17 anos, não recolhia os seus abraços diários montada na sua bicicletinha roxa e o garoto da casa amarela não mais passava o dia inteiro jogando mini game na varanda. Agora os dois só se viam através das janelas de suas casas. Olhares curtos, sem sorrisos, sem acenos e é claro, sem abraços.
     Numa manhã de domingo a pequena cidadezinha sem nome é acordada da sua calmaria com o barulho da cirene de uma ambulância. A garota do coração de lata estava a caminho do hospital. Os batimentos que ela havia colhido durante toda a sua vida não eram mais suficientes. Ela precisava de algo mais forte. O garoto da casa amarela também não se sentia nada bem. Sua frequência cardíaca estavam diminuindo a todo tempo, quase parando. Até que alguém - não se sabe quem - , ligou as coisas e promoveu o encontro dos dois. Colocaram-os no mesmo quarto do hospital, aproximaram as macas e entrelaçaram as mãos dos dois jovens. O esperado aconteceu. O quadro clínico de ambos estava melhorando, mas ainda era critico, então, mais uma vez alguém – deveriam saber quem era o dono ou dona das ideias geniais - teve a ideia de suscitar o abraço dos dois. Juntaram-se as macas, puseram os braços em volta um do outro, ajeitando cuidadosamente a cabeça da garota no lado esquerdo do peito do rapaz. Foi como magica! Os dois foram se recuperando  numa rapidez assustadora. Daí por diante, os dois perceberam que eles se precisavam, se completavam. Ela precisava dele para manter seu coração mecânico a pleno vapor e ele precisava dela para que seu coração humano se mantesse em atividade.
         Nem precisa dizer como termina essa historia, não é? Eu não faço a mínima ideia se eles viveram felizes para sempre, nunca ouve registro disso em nenhum livro de historia. Mas eu posso dizer que eles viveram bem para repassar esse conto, até chegar aqui nesse lugar a 5°16’19” de latitude norte a 33°45’09” latitude sul e 34°45’54” de longitude leste a 73°59’32” de longitude oeste, no seculo XXI, no ano de 2012, embalados pelo “ Tum Tum” do coração do garoto da casa amarela e pelo “ Crec Crec “ do coração mecânico da garota que colhia abraços.


- Caliane Melo.

2 comentários: